A sugestão de uma técnica «guerreira»
- Transferida para Benguela cinco anos depois de uma espinhosa missão na província do Uíge, sua terra Natal, a Dra. Teresa Sambo Paulo, administradora do Hospital Municipal, fala da sua trajectória como funcionária do Ministério da Saúde. Sem perder de vista os momentos mais marcantes, entre os quais um contacto directo com o Presidente da República, estabelece comparações e ressalta os ganhos obtidos até aos dias de hoje –
Quem com ela convive (u), como são os casos de Elisa Lemos e Maria Chimbaya, fala de uma colega generosa. Afinal, é bom ressaltar, o termo Sambo significa bênção, em Kikongo, sua língua materna. Já em Umbundu, a língua da terra que a acolheu faz tempo, significa alegria ou satisfação.
Uhayele M’ombaka (UM) – Quando e onde começou a trabalhar na Saúde?
Teresa Sambo (TS) – Comecei a trabalhar em 1981, no município de Cangola, província do Uíge.
UM – Como era o trabalho?
TS – Naquele tempo, não trabalhávamos só no município, íamos também ao encontro da população, nas comunidades. Andávamos 60 ou 90 quilómetros a pé, uma vez que, naquela altura dos conflitos militares, não tínhamos condições. Aí, fui colocada para fazer abertura da maternidade e pediatria, mas, feliz ou infelizmente, começou a guerra dois meses depois e, por isso, fiquei lá fechada durante 5 anos, a servir as populações.
UM – Como funcionavam?
TS – A primeira coisa que fizemos foi sensibilizar as populações sobre o valor das unidades sanitárias, pelo que, mesmo andando a pé, dávamos palestras.
UM – Era só nessa localidade?
TS – Não. Como Cangola faz fronteira com Malanje, íamos até às zonas de Funda e Massango, no sentido de levar a mensagem sobre a importância dos partos hospitalar e extra-hospitalar, falar da importância das vacinas e quando é que os doentes devem procurar os serviços de saúde disponíveis. Aí, fiz o que tinha que fazer como responsável da maternidade e pediatria. Assim corria o nosso trabalho.
UM – Como veio parar a Benguela?
TS – Vim depois de ter sido transferida de Luanda por força do casamento. Naquele tempo, primeiro tinha-se que cumprir e depois é que se reivindicava, em função do matrimónio. Cumpri primeiro a missão de 5 anos em Cangola, depois segui o meu marido aqui em Benguela.
UM – Isso em que ano?
TS – Em 1985.
UM – Onde foi colocada?
TS – Depois da transferência, comecei a trabalhar no Dispensário de Puericultura, actual Centro Materno Infantil. Posteriormente, achei que devia aumentar o meu nível académico. Fomos os primeiros alunos do IMS, assim que abriu, mas, pelo facto de o dispensário trabalhar das 07 às 13, período que colidia com o horário escolar, fui colocada na Direcção de Saúde Pública. Depois acharam melhor de me transferir para o Sindicato, onde fiquei de 1991 a 1993. Tão logo terminei o ensino médio, a responsável do Dispensário, naquele tempo a dona Adelaide Amor, sugeriu o meu regresso. Fiquei até 1997 e, sob proposta dela, fui nomeada como responsável do Centro Materno Infantil.
UM – Como foi a experiência no Centro Materno Infantil?
TS – Foi uma experiência ímpar, conheci muitos colegas e vi evoluir outros, que vinham apenas para ajudar nas vacinações. Evoluíram para técnicos e, hoje, servem com zelo e dedicação os nossos hospitais.
UM – Quando foi nomeada administradora do Hospital Municipal de Benguela?
TS – Fui nomeada no ano de 2008.
UM – Que comparação faz da saúde de hoje e da de ontem, uma vez que diz ter andado a pe em nome da profissão?
TS – Olha, senhor jornalista. No tempo de guerra, era muito difícil, não dava para se organizar, porque a intenção do Governo era pacificar o país.
Nós trabalhámos em situações muito difíceis. Agente, com a guerra, tinha de ir ao encontro das populações, porque o povo precisava dos serviços, era muito difícil e não havia postos de saúde, contrariamente ao que acontece hoje. Lembro-me, também, que quando cheguei a Benguela talvez só três postos médicos é que tínhamos, mas hoje em cada 8 quilómetros temos um centro ou posto de saúde. A população já não percorre muitas distâncias.
UM – O que acha do perfil do enfermeiro de hoje?
TS – Eu acho que tudo se deve à guerra. O enfermeiro, naquele tempo, antes de o ser devia ter vocação. Tinha de ter qualidade, na medida em que se primava mais pela vocação e qualidade do técnico.
A partir dos últimos anos, vimos que não havia muitas escolas técnicas e, por conseguinte, a pessoa não tem como cursar a profissão que ama, desviando-se do ramo para ter pelo menos alguma habilitação literária. Por isso é que temos os técnicos que temos. Mas louvamos a iniciativa da Direcção provincial da Saúde, que tem estado a proporcionar capacitação dos trabalhadores
Acho que se estão adaptar, porque a situação era mesmo precária, mas nos últimos tempos estamos a ver que o Governo está a fazer tudo com essa capacitação dos técnicos, geralmente através de palestras e seminários.
UM – Qual foi o momento mais marcante da sua vida de profissional na Saúde?
TS – O momento mais marcante, se a memória não me falha, foi o que vive no dia 24 de Dezembro de 1984, em Cangola. Eu fazia um parto num cenário de guerra bem ao lado, foi bastante marcante. Isto porque foi longe da família, sem conhecer ninguém, mas, graças a Deus, nada de mal me aconteceu. Foi muito difícil sentir que as bombas caiam fora da maternidade. Só não nos atingiram porque o senhor estava mesmo connosco, não vi o Natal nem Ano Novo. Mas tive também uma grande sorte aquando da visita de sua Excelência Eng. José Eduardo dos Santos a província de Benguela. Estive diante do Presidente da República de Angola, no Dispensário, e do então governador provincial, Dumilde das Chagas Simões Rangel. Em quase quinze minutos, falámos dos planos que tínhamos em relação ao funcionamento da instituição, o que não acontece todos os dias. Nesse dia, alguns dos integrantes da equipa nem sequer lavaram as mãos (risos).
UM – Que futuro desenha para esta província ou para este país?
TS – Conforme diz o camarada Presidente, cada responsável, no sector que dirige, deve trabalhar para desenvolver o mesmo, uma vez que estão em causa os esforços do Governo. Isto significa que temos de colocar este país no caminho do progresso, deixando garantias para as gerações vindouras.
Se nós, mais velhos, testemunhas dos horrores do passado, não plantarmos nada, teremos ameaçado o futuro. Temos esperanças de que o país se vá desenvolver cada vez mais.
Perfil e B.I
Nome: Teresa Sambo Paulo;
Naturalidade: Maquela de Zombo (província do Uíge);
Data de nascimento :13/11/1961;
Estado civil: casada;
Número de filhos: 3 filhos, (1 rapaz e duas raparigas)
Prato preferido: come tudo;
Cor preferida: castanho;
Formação: Licenciada em Psicologia e Mestranda em Psicologia Clínica na Cespu;
Tempo livre: Ficar na internet, fazer leitura e trabalhos manuais.
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